“Seja lá no fundo de cada um ou mesmo até no raso mais transparente do comportamento, a gente acaba sendo um pouco de cada personagem narrado em suas obras.”
Por Victor Lacerda
E foi ali, na Rua Alagoinhas, número 33, no bairro
do Rio Vermelho, em Salvador da Bahia, que eu tive o prazer de visitar
por meia dúzia de vezes, a convite de João Jorge Amado Filho,
uma das mais importantes casas, cujo morador celebre é um dos mais
famosos nomes da história da literatura brasileira. A moradia do
escritor Jorge Amado.
Em cada canto, se faz viva a história do homem que trouxe para Bahia o
valor de sentir-se bela quando mostrou ao mundo a nossa cor e o nosso
jeito de ser, o nosso tempero, o nosso dendê, a nossa fé, os nossos
santos, os nossos tambôs e os nossos orixás.
Repleta de obras de arte, a casa tem azulejos pintados por artistas
famosos e guarda a história de vida e os hábitos do escritor. Nesse
lugar, também estão depositadas as suas cinzas de Jorge, sob uma enorme
mangueira no quintal. Recordo que em uma das visitas acompanhei Jonga
colocando a cachaça do Exú que recebe os visitantes no
jardim da casa. Esse costume do neto de Jorge Amado é um legado do avô,
que servia a birita do Exú em toda segunda-feira, religiosamente. Ali
também eu pude conhecer o escritório de Jorge Amado, uma espécie de
biblioteca com muitas prateleiras de madeira e uma vista para a ladeira
da Rua Alagoinhas.
Essas visitas me trouxeram um sentimento de orgulho por ser baiano e
ver que um grande nome da minha terra morou, viveu e divulgou a nossa
cultura tal qual ela foi relatada em suas obras. A casa é um retrato da
história e merece que tenha suas portas abertas para que o mundo possa
também compartilhar dessa mesma experiência que eu tive.
Infelizmente, a casa encontra-se fechada desde 2003, quando a mulher de Jorge, a também brilhante escritora Zélia Gattai,
que eu tive o prazer de trabalhar em um projeto, mudou-se. Porém, a
vontade de dona Zélia era que o imóvel fosse transformado em memorial.
Mas, infelizmente, dona Zélia não pôde ver seu sonho realizado e hoje
essa tarefa ficou nas mãos da família Amado que luta para que a casa
seja um museu similar ao de outros artistas, como o escritor russo Léon Tolstoi, o português José Saramago e o também escritor inglês Charles Dickens, cujas residências se tornaram museus, em Moscou, Portugal e Londres, respectivamente.
Quem é baiano sabe, está pra nascer alguém nessa terra que não se
enxergue, ao ler os livros de Jorge Amado. Seja lá no fundo de cada um
ou mesmo até no raso mais transparente do comportamento, a gente acaba
sendo um pouco de cada personagem narrado em suas obras. E temos um
pouquinho de cada um, do mais bom moço ao mais cruel, da mais santa
inocente a puta mais decadente.
A vida do nosso escritor precisa ser contada e experimentada por
todos. A casa do escritor precisa ficar com as portas abertas para
mostrar-se ao mundo como era a vida de um dos nossos maiores artistas e o
seu universo.
A Bahia comemora hoje, o centenário do nascimento do escrito Jorge
Amado, e como forma de homenagem, eu o agradeço por ter me apresentado
através de suas obras: uma Bahia vestida de poesia! Uma Bahia
reinventada. Uma Bahia temperada e quente. Assim, eu conheci a Bahia,
terra da felicidade em que eu nasci e me criei. Bebendo das mais
variadas fontes de cultura e matando a minha sede de conhecimento nos
livros que eu li, em cada coisa que eu vi, em cada lugar que eu passei
e, sobretudo, aprendendo muito com as histórias do escritor Jorge Amado.
+ Confira aqui
uma carta (exclusiva) incluída no livro de correspondência Jorge Amado -
Zélia Gattai, lançado este mês pela Companhia das Letras. Já estão
abertas também as inscrições para o “Curso Jorge Amado 2012 – II Colóquio de Literatura Brasileira”.
O evento, que integra o calendário das atividades comemorativas ao
centenário do escritor, contará com o tema Jorge Amado, 100 anos
escrevendo o Brasil e é promovido pela Fundação Casa de Jorge Amado
(FCJA) em parceria com a Academia de Letras da Bahia (ALB). O curso
ocorrerá entre os dias 13 e 17 de agosto e será realizado sempre à
tarde, nas sedes das duas instituições. Mais informações visite o site
da Fundação Casa de Jorge Amado: www.jorgeamado.org.br Confira aqui também, outro texto meu sobre um encontro com a linda Zélia Gattai.
Adesivo feito por Jonga Filho, uma replica do azulejo existente na entrada
da casa que foi desenhado por Carybé: a armadura do orixá e o ano.
Lendo as boas matérias na internet sobre Jorge Amado, achei
essa carta endereçada ao Affonso Romano Santanna, que já fez vários
ensaios sobre Jorge. O último revela que o Quincas Berro D’água existiu
mesmo e era cearense e morreu no Rio. Mas, o mais curioso, olhem essa
carta, os desenhos na margem, o tropicalismo baiano-brasileiro.
O ator Emílio Orciollo Neto foi um dos ilustres visitantes à exposição da
Fundação Casa de Jorge Amado nesta semana.
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