terça-feira, 31 de maio de 2011

COMEMORAÇÕES DOS 2OO ANOS DA BIBLIOTECA PÚBLICA DO ESTADO DA BAHIA

“Apesar das comemorações pelos 200 anos, a Biblioteca dos Barris é cheia de erros grosseiros. Livros e leitores são prisioneiros da burocracia e da arrogância de muitos.”
Por Elenilson Nascimento

A literatura está, nesses tempos globalizados de informações rápidas, de celebridades fúteis e de falta de bom gosto e bom senso, não na dor experimentada ou sentida, mas no fingimento dela, apesar dos escritores partirem da dor real “a dor que deveras sente”. Não há arte sem imaginação, sem que o real seja imaginado de maneira a exprimir-se artisticamente e ser concretizado em arte. O momento é complicado mesmo, cheio de problemas, cheio de descasos, alguns deles os mais básicos em se tratando da educação e cultura do nosso povo.

Vou citar um exemplo: o novo filme do Harry Potter constante em 3D, cheio de sangue saltando da tela, com diálogos cheios de vocabulários próprios, com as varinhas de bruxos jogando feitiços pra lá e pra cá, além das “legendas” (desculpe a ironia), na verdade, indicações, nomes, setas, fotos, imagens enquadradas, tudo de um jeito a parecer moderno, mas não verdade consegue ser apenas didático – um pouco menosprezando a inteligência do espectador. É exatamente dessa forma que a literatura é tratada.

Mas o tal rapaz de óculos, metido a escritor, que gostou do filme do bruxo com um raio na testa, ficou irritado porque os jornalistas baianos não gostaram e, no debate com o diretor, mandou a tal frase de que críticos são cineastas frustrados. O primeiro argumento é simples: ele, como gostou do filme, não é frustrado? Como se bastasse isso, gostar ou não para ser ou não frustrado. Além disso, ele valoriza a própria opinião em detrimento da dos outros. A opinião dele, que gostou, é legal, as outras, quem não gostou, não prestam.
Posso confessar aqui – porque o blog é meu – sem nenhum pudor que adoro ser metido a jornalista. Desde o primeiro momento na minha vida, quando ainda era um espermatozóide, eu quis ser jornalista. Não quis ser cineasta. Nem doutor. Nem advogado (*como todo mundo hoje!). Mas se tenho uma frustração, é de não ter entrado numa boa universidade, de ter perdido o meu tempo tirando xérox e decorando frases de efeito para apresentar seminários inúteis para professores medíocres, de não ter frequentado mais bibliotecas ao invés do Google. E ainda de não ter escrito um livro excepcional – apesar de já ter lançado alguns, de gostar muito deles e continuar a escrevendo, que provém da interpretação com os meus leitores.

Porém, bibliotecas não são mais espaços de interação e descobertas, apesar de alguns esforços. E no último dia 13 de maio, marcado pela reflexão sobre a assinatura da Lei Áurea, em 1888, acontecimento histórico que pontua a abolição da escravidão em terras brasileiras, também foi pontuado pelas comemorações dos inacreditáveis 200 anos da Biblioteca Pública do Estado da Bahia (BPEB), localizada no bairro dos Barris, Salvador (BA), e dirigida pela Fundação Pedro Calmon/SecultBA, foram comemorados com intensa programação.

Atrações artísticas e conferências revelaram a importância e a diversidade da primeira biblioteca pública do Brasil. A unidade que possui um acervo de 600 mil itens, dos quais 150 mil são livros, além de vídeos, imagens, obras de arte, documentos históricos, periódicos e obras raras e valiosas, apresenta uma extensa programação de debates a apresentações artísticas. Mas alguns especialistas defendem o título de Biblioteca Nacional da Bahia, coisa, ao meu ver, irrelevante, visto que a importância de uma biblioteca com a estrutura da Biblioteca dos Barris é algo muito maior.

Pensando nisto, representantes da comunidade negra de Salvador aproveitaram essas comemorações e organizaram um debate interessantíssimo no último dia 13/05, para refletir sobre as consequencias da Abolição da Escravatura, a importância de mantermos viva a nossa cultura e os atuais problemas vivenciados pelos negros desse país.

A ideia era pontuar um espaço de discussão sobre o dia seguinte a assinatura da Lei Áurea, os efeitos reais da libertação e outras pautas referentes a comunidade negra baiana com um grupo especial de artistas que falariam sobre a importância do livro e da biblioteca em suas trajetórias pessoais, marcadas por superação e desafios.
O debate começou – concorrendo com a atenção do povo na fila do acarajé – com um bate-papo com a simpaticíssima apresentadora do programa “Boa Tarde Bahia” (Band), Rita Batista, que falou sobre o seu vínculo com a biblioteca, a importância dos livros na sua vida (*apesar de ter afirmado que doou muitos deles por falta de espaço na sua casa) e sobre a sua vida escolar. Rita estava deliciosa, com um micro vestido que deixava de fora as suas pernas maravilhosas, o que, muitas vezes, deve ter tirado à atenção dos muitos presentes. Pelo seu Twitter, ela manifestou a sua satisfação: “O evento na biblioteca foi massa!”, escreveu.

Já o ator Jackson Costa – muito assediado – também falou da importância dos livros para a formação da sua vida como ator, do motivo que trocou a sua vida de celebridade em novelas da Globo por produções locais, das dificuldades de se produzir arte num país que não valoriza nada e das desventuras da sua profissão.
A vereadora Olívia Santana foi uma grata surpresa pra mim, pois nunca “na história desse país” presenciamos tanto alvoroço na psicosfera do medíocre cenário da política brasileira. Procuramos imantar todos os vieses para acreditar nos políticos que nos representam, mas à medida que nos inteiramos das nuanças políticas, a vergonha bate a nossa cara, e a desconfiança torna-se realidade. No écran infrutífero do Senado Federal e/ou da Câmara Municipal de Salvador alguns pontinhos conseguem ser vistos, como foi no caso do STF ter aprovado a união homoafetiva, mas no resto a pasmaceira e a roubalheira continuam.

Ao ver a Olívia Santana ao lado de pessoas que eu admiro, imaginei logo que deveria ser proibido políticos, sempre com um novo método de corrupção, abrirem as bocas num ambiente que exala cultura, pois, enquanto mais falcatruas e mentiras tomam dimensões insuperáveis, enquanto a presidente Dilma diz que atos vergonhosos são inerentes a democracia em que o país está inserido, continuamos sendo alienados (“A Bahia anda no caminho certo!”) como fantoches, e cheguei à conclusão e achei o azimute que nos direcionou para o porquê de tantas críticas aos governos dos militares. Mas a senhora vereadora me deixou pensativo. Contou da sua infância sofrida num bairro de periferia em Salvador, onde chegou ao ponto de perder tudo dentro de casa por conta de enchentes. Contou que começou a trabalhar como faxineira, mas que logo se viu como líder de movimentos negros. Fiquei muito impressionado com a oralidade e a formação da Olívia, mas, mesmo assim, isso não afetou em nada a minha opinião sobre os políticos.
O cantor Lazzo Matumbi foi a outra delícia da noite. Lazzo que é conhecido como “a voz da Bahia”, contou que começou a sua carreira em 1981 como atração do bloco Ilê Aiyê e arrastou multidões de baianos e turistas seduzidos pela sua forma única de cantar com a alma, dotada de swing, tal qual os cantores americanos de blues.

Lazzo, em alguns momentos, demonstrou o seu descrédito com a política, com a educação favelizada e com a segurança pública que, segundo ele, sempre renega ao pobre e preto o papel de “ladrão”. O cantor falou que enxerga com muita tristeza a atual situação do Carnaval da Bahia, de que a ideia que podemos resolver questões do Carnaval com algum dinheiro, não resolve e nem resolverá os problemas. E que também ficar acreditando em uma “política salvadora” por parte do governo para a população negra parece esgotada. “Aliás, o modelo é esgotado. Não funciona. É demasiadamente medíocre”, contou.
Vendo o Lazzo Matumbi falar, com aquele vozeirão, me fez ficar mais uma vez impressionado. Pois é difícil, muito difícil, saber da opinião de alguns artistas da Bahia, principalmente numa época onde ninguém tem opinião sobre nada, todo mundo é politicamente correto. E apesar disso, um retardado na plateia tentou deixar o cara desconcertado, fazendo algum comentário racista sobre o discurso do Lazzo, o que foi violentamente exposto pelo próprio artista que se sentiu incomodado. Mas, enfim, conversar com Lazzo e não ser interrompido a cada minuto por pessoas que querem tirar foto, cumprimentar e fazer todos os tipos de tietagens que grandes personalidades são acometidas é uma coisa quase que impossível. E, no meio do debate, Lazzo falou a respeito da saída do importante e reverenciado Bloco Coração Rastafari ao que recebemos atônitos a resposta de que o Coração Rastafari não vai sair mais por falta de patrocínio.

E, dessa forma, por total incompetência dos órgãos públicos, o cantor dos nossos amores e de tudo o que tem de dentro de nós não vai cantar. Mas como é que tem Carnaval sem a “Alegria da Cidade”, sem aquela voz forte, vibrante, doce e intensa quase a sussurrar no nosso ouvido estrofes poderosas como “A minha pele de ébano é, a minha alma é nua...” ou “Eu sou parte de você, mesmo que você me negue”. Como pode um cara como Lazzo não sair mais no Carnaval com a infra-estrutura necessária e parecer que está tudo normal. Não está. Temos a obrigação de fazer uma reflexão séria a respeito.

A noite terminou com um show da premiadíssima banda Rumpilezz – um outro elemento da cultura negra presente na comemoração dos 200 anos da Biblioteca Pública. A apresentação da Rumpilezz, criada em 2006, pelo maestro Letieres Leite e baseada na percussão de matriz africana, com influência do jazz, formada por cinco músicos de percussão (alabês) e 14 músicos de sopro, fez um sucesso enorme.

A orquestra de afro-jazz levou, em seu repertório, composições baseadas no universo percussivo baiano somadas às influencias no Candomblé e agremiações musicais da cultura negra, tais como o Samba do Recôncavo, o Ilê Aiyê e o Olodum. Apesar da chuva, as pessoas presentes se esbaldaram.

E a Biblioteca Pública do Estado viveu um dia de intensa movimentação nos seus diversos setores. O público teve oportunidade de conferir ainda “contações de histórias” no setor infantil, homenagens no setor Braille, exposição, música e teatro nos corredores, filmes no audiovisual e conferências, como a do excelente professor Ubiratan Castro, que deram mostra de como a biblioteca continua efervescente, dois séculos após a sua fundação, e apesar da falta de diálogo dos funcionários com os frequentadores, o que eu acho lamentável.

Não sei quanto dinheiro é gasto nessas campanhas de incentivo à leitura que de vez em quando o governo faz. O que eu sei é que não existe campanha publicitária barata. Livro barato até que de vez em quando se encontra, com paciência e sorte. Mas o que é barato para você pode não ser pra mim, segundo a teoria da relatividade. Enfim, as bibliotecas públicas estão aí para isso. Mas nem sempre é isso que encontramos. E não se pode falar em biblioteca pública em Salvador sem mencionar que os jovens hoje não freqüentam bibliotecas. E é por falar na BCB que eu devo dizer que, toda vez que entro lá para pegar um livro (empréstimo ou consulta), ler revistas ou jornais, fico pensando que todas as campanhas de incentivo à leitura do governo são dinheiro jogado fora.

O principal erro da BCB é supor que a relação com a leitura se dá – não com a descoberta dos livros – sempre com livros já conhecidos. Não existe, além dessas datas comemorativas, nenhuma tarde de autógrafos com autores novos e/ou consagrados, nenhum concurso cultural, nenhuma semana de cinema (*já que lá tem uma sala de cinema), nenhuma publicação de livros financiados pela instituição. É simplesmente uma loucura neste país de analfabetos e semi-analfabetos. Se preciso é, explico. É vergonhoso.

O incauto e inculto candidato a leitor vai à biblioteca, atendendo ao apelo do governo que pagou a propaganda para convencê-lo de que ler é legal e, quando chega, esbarra no muro de contenção que é o balcão de atendimento. Ali, um funcionário público típico faz a indagação: “Que livro você quer?” Pronto, perdemos um leitor. Não existe uma sugestão. Não existe um olhar acolhedor. Muitos funcionários da biblioteca exalam um fedor de arrogância que dói na alma de vergonha. E isso eu posso afirmar, pois já presenciei cenas bizarras, principalmente no setor de periódicos.
Mas pressupõe-se que todo mundo já sabe o que quer ler. É como alguém perguntar a um menino de sete anos qual é o nome da mulher peituda que será a mulher peituda da sua vida. Quem sabe pelamordedeus? Qualquer um que tenha uma relação mais ou menos íntima com livros sabe que o “prazer de ler” se dá de forma muito diferente. “A vida é a arte do encontro”. A gente futuca os livros, observa a capa, estranha o título, confere o tamanho das letras, etc. E muito depois escolhe. E depois troca. Às vezes após folhear apenas algumas poucas páginas. Às vezes um livro que parecia uma coisa se mostra outra. Às vezes um livro que não parecia nada muda toda a nossa vida. Mas na Biblioteca Central dos Barris, livros e leitores são prisioneiros. Não se pode nem ver a capa. Ou seja, é uma biblioteca para se fazer pesquisa de escola, para bater papo nos corredores ou na escadaria, não para quem quer ler por ler. Só espero que não demorem mais 200 anos para mudar essa situação.


Debate com o excelente professor Ubiratan Castro. Sou fã desse homi!
Performance de atores da Cooperativa Baiana de Teatro.
André Backer (sax) em parceria com o músico da Orkestra Rumpilezz.
Concorrência desleal: o debate quase não começa porque o povo estava na fila do acarajé.
O público teve que ficar de pé para assistir ao debate.
fotos: Ascom/Fundação Pedro Calmon

3 comentários:

Morgana disse...

É por isso que as livrarias / cafeterias /ias /ias fazem mais sucesso do que as bibliotecas. Apesar do livro deles ser um material para venda, uma mercadoria, eles deixam agente escolher os livros fazendo um test drive antes. Você pode pegar, abrir, folear, ler um pouco e depois decidir se leva ou não. Mas também entendo as desmedidas tomadas pela BCB. Existe muito vandalismo contra os livros. As pessoas riscam, arrancam as páginas, etc. Além de pegarem e não devolverem muitas vezes. E estes, infelizmente, não são repostos. Não defendo a forma que encontraram para tentar cohibir estas ações. Também não é funcional. Não atrai o leitor. Acho que este é um sintoma aparente, de um problema mais profundo, que encontra o mecanismo de como os espaços públicos são geridos, que grau de importância se dá para eles. E este grau de importãncia, determina o repasse da verba, a qualificação dos funcionários, etc. É preciso repensar as estruturas.

barbara disse...

Caramba!!! você disse tudo, cara!!! A Biblioteca dos Barris é um imenso elefante branco, inútil, ali parada, sem vida, um desastre!!! Eu já não vou lá há um tempão por isso mesmo, porque o atendimento é horrível, porque não suporto não tocar nos livros que pretendo ler. Parabéns pelo excelente texto.

Anônimo disse...

Não gostei desse texto não. A biblioteca não é frenquentada pq as pessoas não gostam de livros.